Categories Menu

Conhecendo o meu lugar e a minha gente

 

Muitas vezes, os conteúdos de História parecem longe da realidade dos alunos. No entanto, por meio de um trabalho a respeito da história do seu município é possível integrar a história local com os acontecimentos históricos do Brasil, trazendo para a realidade do aluno aquilo que lhe parecia distante.

Um dos maiores desafios do professor de História atualmente é tornar significativa a aprendizagem de fatos e processos históricos que, na maioria das vezes, parecem não se aproximar em nada da realidade dos alunos. Nessa perspectiva, a seleção dos conteúdos programáticos a serem trabalhados assume um papel fundamental nesse processo.

A definição dos aspectos do programa atua diretamente no cotidiano da sala de aula. Se acertamos nas escolhas, ampliamos as possibilidades de significação entre a disciplina História e o alunado, enquanto a opção por um programa que se distancia da realidade do aluno pode torná-lo ainda mais resistente à disciplina.

A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) tem uma contribuição importante nessa esfera, pois, ao mesmo tempo que procura nortear o ensino das diversas disciplinas da educação básica, não só garante espaço como também incentiva a pluralidade.

Se no ensino de História é impossível pensar numa mesma abordagem do Oiapoque ao Chuí, com os temas transversais é possível construir procedimentos e habilidades adaptados ao ambiente de cada escola ou região que consigam dialogar com os jovens. Além disso, os PCNs preveem uma parte diversificada do currículo, na qual a história local assegura uma ótima aplicabilidade.

O trabalho com história local, principalmente ao lançarmos mão da entrevista oral como metodologia, contribui para o reconhecimento de cada aluno como sujeito histórico pertencente a determinada comunidade, que também é um espaço onde se vive e se produz história. Assim, ao escolher os entrevistados, ao definir as perguntas, ao identificar os locais que serão fotografados, o aluno estará não somente conhecendo a história da sua região, mas aprendendo a fazer o diálogo entre o micro e o macro, entre a parte e o todo, essencial para uma concepção de história que se baseia no embate constante entre os diversos sujeitos sociais.

Vamos tomar como inspiração um estudo de história local desenvolvido na cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, segundo município mais populoso do estado. Nesse município ocorreu a Revolta da Cachaça no século XVII, pois o produto era fundamental no tráfico de escravos. A maior parte dos alunos de São Gonçalo desconhecia essa e outras histórias.

Em conjunto com a universidade da região, que possui um curso de História, os professores organizaram um guia de fontes para a cidade de São Gonçalo. O próximo passo foi convidar um professor da universidade para ir à escola (poderia ser feito o caminho inverso – os alunos irem à universidade). Esse professor narra para os alunos o que foi o município de São Gonçalo, sua origem, os acontecimentos marcantes, as transformações da paisagem e da demografia. Instiga o orgulho e a curiosidade da garotada.

Cabe ao professor da turma, ou das turmas participantes do projeto, escolher em que momento do trabalho a história local dialogará com a “grande” história. Esse cruzamento deve levar em conta as especificidades de cada local. Sugerimos que, preferencialmente, não seja anterior ao século XIX, pois, para antes desse momento, os documentos são difíceis de ler e têm conservação precária. Pode-se ir ao arquivo da cidade, realizar a leitura dos jornais, ver quem eram as pessoas proeminentes na região, por que o eram. Ir ao cartório e ver o testamento dessas pessoas, o que possuíam de riquezas, ver quantos de seus filhos foram estudar fora da localidade, que cargos e profissões ocuparam. O que acontecia quando eles morriam? Visitar os museus e casas de cultura da região, se houver, pesquisar em arquivos pessoais, fazer entrevistas, ver as obras que construíram e como era sua relação com o governo estadual.

A escola pode até montar um projeto e pedir apoio financeiro da prefeitura para apresentar os resultados na forma de uma exposição, de um documentário ou mesmo um livro.

Em todo esse processo, cabe ao professor o papel de problematizar as descobertas da turma, suas angústias e até mesmo suas certezas, destacando, por exemplo, como determinados fatos podem ter versões diferentes, como a criação de determinada praça ou escola. E articular esses acontecimentos com aqueles presentes no livro didático, que parece distante da realidade local, mas que, na prática, tem tudo a ver.

Casas em uma rua na cidade de Parnaíba (PI). Integrar a história local com a história macro do país pode aumentar o interesse do aluno pela disciplina de História.

Casas em uma rua na cidade de Parnaíba (PI). Integrar a história local com a história macro do país pode aumentar o interesse do aluno pela disciplina de História.

subtit_bibliografia

GONÇALVES, Marcia de Almeida & REZNIK, Luís (orgs.). Guia de fontes para a história de São Gonçalo. São Gonçalo: Uerj-FFP-DCH-LPH, 1999.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Trad. Maria Betania Amoroso. São Paulo: Compahia das Letras, 1987.
REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1998.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria; GASPARELLO, Arlette Medeiros;
MAGALHÃES, Marcelo de Souza (orgs.). Ensino de História: sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.