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Gislane Azevedo

 

Olá, eu sou a Gislane Azevedo,  mineira de… Bem… É sempre um problema dizer de onde sou. Minha mãe me teve em Governador Valadares.  Mas foi quase uma obra do acaso, pois minha família não morava ali. Morava em Jampruca.

– Jam… o quê?

Todo mundo sempre pergunta, num misto de curiosidade imensa e meia risada.

– Jampruca!

Uma vila de Campanário. Que era distrito de Itambacuri;  que por sua vez pertencia a Teófilo Otoni, antiga Filadélfia.

Mas quando estou com pressa e quero simplificar, aproveito que fui registrada em Governador Valadares e digo que sou de lá.  Afinal, “Valadares” – como nós, mineiros, falamos -, todo mundo conhece – principalmente por conta do grande êxodo populacional que teve para o exterior a partir de década de 1990.

O fato é que foi em Jampruca que passei minha infância e de onde tenho lembranças idílicas, como as brincadeiras na rua, ver as boiadas passando, as mulheres lavando roupas no rio e carregando bacias na cabeça sem segurar com as mãos. São imagens que me encantaram e até hoje as trago comigo.

Porém, devido à falta de trabalho no lugar, precisamos sair de lá. Meu pai conseguiu emprego em Ipatinga, uma cidade mais próxima de Belo Horizonte. A cidade era muito jovem quando mudei para lá; ela foi fundada em 1964 e surgiu em torno da Usiminas,  uma das maiores siderúrgica do país, inaugurada pouco antes, no final da década de 1950. Meu pai nunca conseguiu emprego na Usiminas, mas trabalhou nas subsidiárias como mecânico e motorista.

Em Ipatinga, passei o final de minha infância e adolescência. Tenho uma relação emocional bem grande com a cidade. Foi lá que comecei a gostar de História, inclusive. Devo isso a muitos fatores, mas principalmente a duas questões pontuais: a uma professora chamada Célia, que me emprestava livros de História para ler, e ao ambiente pobre e sofrido das pessoas que viviam nos bairros operários da cidade.

Cresci querendo entender um pouco aquela cidade, tão envolta em realidades e fatos discrepantes. Por um lado, Ipatinga era um grande modelo do Brasil Gigante da década de 1970. A Usiminas sempre foi chamada de “mãe”, pois todos na cidade viviam sob seus auspícios. O sonho dos homens era trabalhar lá (as mulheres, mesmo que desejassem, não conseguiam, pois a empresa não as contratava). Mas, por outro lado, era uma cidade muito vigiada e com uma história muito confusa, também, relacionada à Usiminas.

Quando me mudei para a região, em meados da década de 1970, o Brasil vivia o auge da ditadura. O movimento operário era controlado e falar do massacre que aconteceu ali, em outubro de 1963, era algo proibido ou, pelo menos, desaconselhável.

Para alguns historiadores esse evento foi um prelúdio do que aconteceria no Brasil após 1964. O massacre surgiu do confronto entre os trabalhadores – inconformados com  péssimas condições de trabalho e com a humilhação de serem revistados ao entrarem e saírem da usina- e a Polícia Militar, então responsável pela segurança da empresa.

Sob as ordens do governador Magalhães Pinto (um dos maiores apoiadores do golpe de 1964), a PM atacou trabalhadores desarmados e provocou (em números oficiais)  a morte de 8 pessoas (inclusive uma criança no colo de sua mãe) e deixou 80 feridos. Esses números são objetos de muita discórdia: depoimentos e estudos falam em até 80 mortos e cerca de 3 mil feridos.

Veio a década de 1980, a chamada década perdida, e com ela o desemprego. Sem trabalho, meu pai e muitos outros trabalhadores como ele, viram-se obrigados a se mudar da cidade. Alguns foram para locais onde existia siderúrgica, como Tubarão (SC) e Cubatão (SP); outros para regiões com diferentes oportunidades de trabalho, como o norte do Brasil; muitos seguiram para o exterior.  Um dos lugares onde meu pai fez parada e acabou nos levando depois de um tempo foi Volta Redonda, no Rio de Janeiro, onde existia a CSN, a siderúrgica símbolo da Era Vargas. Ali vivi pouco tempo mas tive emoções intensas.

Volta Redonda era responsável por boa parte do PIB do Brasil, mas com uma população operária muito pobre. Foi aí que me engajei  efetivamente no movimento estudantil da cidade e também na campanha das Diretas Já, tendo, participado do comício do Rio do Janeiro. Foi aí também, nas famosas greves de 1988 – que resultaram na morte de mais trabalhadores -, que meu pai ficou preso dentro da CSN, enquanto minha mãe e outras mulheres faziam marmitas e enviavam agasalhos para os operários detidos.

Mas nessa época, não me encontrava mais na cidade. Já morava em São Paulo, para onde me mudei em 1983 e onde vivo até hoje. Foi na capital que fiz faculdade de História e mestrado na PUC,  estagiei e trabalhei em várias áreas, como na Divisão de Arquivos e de Tombamentos da Secretaria  Municipal de Cultura, dei aulas em escolas públicas e privadas e trabalhei na Tempo & Memória, uma empresa que faz resgate da história de instituições, cidades, empresas e transforma esse material em livros, exposições etc.

Depois disso, passei também a trabalhar com empresas de comunicação, como a Klick Editora, que fazia fascículos distribuídos em jornais, bancas etc. Também participei do lançamento do primeiro portal educacional do Brasil, o Klickeducação, ajudando a cuidar da área de pesquisa, produção e texto.

Todo esse trabalho ligado à educação, à sala de aula e à comunicação culminou em experiências junto a editoras de didáticos. E com isso veio a produção das obras didáticas de História com o Reinaldo Seriacopi, meu parceiro profissional e de vida, com quem tenho dois filhos, o Maurício e o Felipe.

Acho que as nossas obras refletem muito essa vivência que tive. Um preocupação grande em querer entender o presente, em usar a História para transformar o mundo em um espaço mais democrático e justo.